Políticas públicas para os corpos d’água

Mar, 2020 

Filipe Vieira Fernandes

“Mais do que transformação, o desenvolvimento é invenção, comporta um elemento de intencionalidade. As condições requeridas para que esse elemento se manifeste com vigor dão-se historicamente, ou seja, são irredutíveis a esquemas formalizáveis.” (FURTADO, 1984)
A partir desta colocação de Celso Furtado sobre o desenvolvimento é possível debater a importância e a limitação da política pública na busca por este fenômeno em um dado território.

É preciso, como nas palavras supracitadas de Celso Furtado, intencionalidade, ou seja, para se atingir o desenvolvimento se faz necessário buscar, ou mesmo inventar, um caminho para esse desenvolvimento através de um bom pacote de políticas públicas que tenham este objetivo.

Contudo, cada território é uma construção histórica única, de heranças e cicatrizes. Existem pessoas únicas, de aspirações e inspirações únicas.
Neste contexto, para se atingir o desenvolvimento não é necessário somente “esquemas formalizáveis”, é preciso conhecimento, da história e da cultura da coletividade, onde a visão da diversidade territorial das desigualdades sociais torna-se um reflexo direto e mais real da distribuição espacial dos fenômenos em questão.

A busca por este conhecimento enfatiza a importância da produção de indicadores socioeconômicos que considerem parcelas do território e suas diferenças, pois onde comumente têm-se analisado os municípios, as respostas permanecem implícitas em medidas genéricas que abordam as cidades como um todo.

Isso pode ser resolvido voltando-se para o território, considerando suas diferenças e buscando métodos capazes de revelar onde estão e quais são as desigualdades, dentre um universo de múltiplas variáveis, que são mais ou menos significativas relacionadas ao fenômeno estudado.
Esta abordagem informacional é determinante para auxiliar o planejamento e o direcionamento de Políticas Públicas menos genéricas e, consequentemente, mais efetivas em busca de respostas a sociedade.

A política pública deve ter por objetivo permitir as pessoas o livre exercício de sua cidadania, mas é preciso reconhecer que somente a política pública não resolve, é preciso que os atores locais se identifiquem com o projeto e que esta política seja efetiva, com conhecimento, que considere os aspectos da coletividade (SILVA, 2012).

Algumas técnicas tem demonstrado de grande valor, nesta perspectiva, o Mapa da Exclusão tem caráter propositivo, um olhar mais detalhado sobre a cidade (KOGA, 2011), que permite um auto conhecimento pela comunidade mediante a disponibilidade de informações específicas, de indicadores.
A metodologia do Mapa da Exclusão/Inclusão Social de São Paulo, foi elaborado pelo Núcleo de Seguridade e Assistência Social da Pontifica Universidade Católica de São Paulo (Sposati, 1996) e constitui a primeira experiência nacional na construção de indicadores intra-urbanos (Koga, 2001).
A partir de dados sobre as parcelas do território municipal, é pos´sivel, por exemplo, criar políticas públicas para os corpos d’água mais assertivas, cruzando com um diagnóstico intra-urbano dos recursos hídricos, reconhecendo seus usos preponderantes, as principais fontes poluidoras da bacia e como elas interferem na qualidade da água (DERISIO, 2000).

A gestão dos recursos hídricos deve diagnosticar a qualidade da água para proporcionar o uso múltiplo das águas, tais como: preservação das comunidades aquáticas, abastecimento doméstico, recreação, irrigação, dessedentação animal, navegação, produção de energia, etc.
Entretanto, as diferentes parcelas do território municipal e suas características peculiares, pressupõe uma maior ou menor exigência de qualidade da água. Por exemplo, a qualidade da água exigida para a preservação das comunidades aquáticas ou para abastecimento humano são muito mais restritivas do que a qualidade da água para o uso de navegação, ou de algumas indústrias.

A respeito destas restrições, é o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento.

A bacia hidrográfica dispõe de usos múltiplos da água, e é fundamental estabelecer para cada trecho do rio o correspondente uso preponderante e enquadrá-lo conforme seu uso, a água dos ribeirões não é utilizada para abastecimento, mas é utilizada na dessedentação de animais, no plantio de arroz, no plantio de eucalipto, e no lançamento de resíduos industriais e domésticos.

Enquadrar um corpo de água em uma determinada classe de qualidade implica estabelecer metas de qualidade para a água e também é preciso ter clareza na escolha de uma determinada classe, pois acaba por restringir determinadas atividades que poderiam prejudicar o alcance da meta. (BRANDÃO et al., 2011).

Tabela 1 – Classes de enquadramento de recursos hídricos e seus possíveis usos

Fonte: CONAMA, Resolução Nº 357/2005.

 

Por exemplo, as nascentes e cabeceiras dos rios são locais preferenciais para a preservação, portanto, seria razoável prever como objetivo a classe especial. Já em áreas utilizadas para uso agrícola, recreação ou aquicultura, poderia se estabelecer como objetivo de qualidade as classes 1 ou 2, e assim por diante.

A Resolução CNRH nº 91/2008 dispõe sobre procedimentos gerais para o enquadramento dos corpos de água superficiais e subterrâneos e trata, entre outras coisas, das etapas do enquadramento.

As etapas do processo de formulação e implementação do enquadramento, a saber:

  • Diagnóstico da bacia;
  • Prognóstico (cenários futuros);
  • Elaboração das alternativas de enquadramento e programa de efetivação;
  • Análise e deliberação do Comitê e do Conselho de Recursos Hídricos; e
  • Implementação do programa de efetivação.

A metodologia apresentada neste trabalho pode ser mais um instrumento que corrobore na, supracitada, primeira etapa do processo de formulação e implementação do enquadramento dos corpos d’água.

 

Referências

BRANDÃO, et al.(Org.); Guia nacional de coleta e preservação de amostras: água, sedimento, comunidades aquáticas e efluentes líquidos / CETESB; Brasília: ANA, 2011.

DERISIO, José Carlos. Introdução ao controle de poluição ambiental. 2. ed. São Paulo: Signus, 2000.

FURTADO, C. Cultura e desenvolvimento em época de crise. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1984.

KOGA, Dirce. Medidas de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2011.

SILVA, C. L. Políticas Públicas e Desenvolvimento Local: instrumentos e proposições de análise para o Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.

SPOSATTI, A. Mapa de exclusão/inclusão da cidade de São Paulo. Local: São  Paulo, Editora PUC-SP, 1996.

 

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